quarta-feira, 3 de junho de 2015

Para os Corações Partidos (Parte III)

Ex-bom é ex morto, dizem por aí. Mas, ao julgar pelo número de sessões espíritas e brincadeiras do copo feitas com frequência, deixar quieto aqueles que se foram é difícil para muita gente.

Parte III - O Armistício

Render-se a alguém é uma prova de amor. Frequentemente, contudo, é uma prova que não é pedida, mas sempre haverá aquela pessoa que será o seu ponto fraco. Ela faz você baixar as suas forças. Descuidar das suas costas. Expor o seu pescoço. E essa pessoa fará tudo isso sem esforço algum. E, queira o destino, essa pessoa terá, talvez, consciência do poder que ela exerce sobre você. Será a Lua, tão menor do que a Terra, capaz de imaginar a influência que exerce sobre ela e suas marés?

Entregar-se é abrir os portões. Mandar os arqueiros saírem dos muros, mandar destrancar a porta do castelo. Eventualmente, é claro, ó dó, nem todo mundo que nos causa baixa imunidade emocional é ataque benigno. Algumas patologias amorosas dão certo... Outras infeccionam.

Purgadas as dores e deixadas as cicatrizes, curado um mal o organismo, por um tempo debilitado, acaba por ficar mais forte. Como o que não mata tende a fortalecer, o resultado de amores acabados e dores profundamente sentidas levam à valiosa possibilidade de fortalecimento. Esse fortalecimento traduz-se de várias maneiras no período de vida pós-chute. Pode ser na forma da maturidade com a qual a próxima relação (porque haverá próximas) será conduzida. Pode ser na forma como você aprende a ceder certas coisas em certos momentos. Pode ser na forma como você não se deixa dominar sob certas circunstâncias. Pode ser na forma como você dá atenção e valoriza coisas pequenas e transitórias que antes passavam ignoradas na ânsia de viver grandes momentos que - surpresa - não aconteceram ou não acontecerão mais (pelo menos, não com a mesma pessoa).

Há, nas minhas linhas, uma quase tácita implicância com o ex-amor. Há esperança, chance de retorno? Seria simplório achar que não. Mas, respeitando-se a realidade, é bom trabalhar o presente tendo os futuros mais prováveis em mente. E, convenhamos, as tendências dos últimos séculos mostram que é melhor preparar a vida futura tendo por certa a hipótese de que o ex-amor foi e não volta mais do que guardar-se e edificar-se para uma quem-sabe-possível-utópica-redentora volta.

Por isso, parta do pressuposto que duas pessoas morreram. O casal morreu. O amor morreu. Os momentos bons morreram. As coisas bobas e legais feitas juntas já eram. Defunte-se do outro. Porque, se há algo certo e natural no futuro, é a certeza de que muitas mortes acontecerão ao longo da sua vida - Para que novos ciclos possam começar, os antigos devem terminar.

Mas as mortes ao longo da vida, várias, tendem a não ser literais. Nessas mortes faz-se velório de sentimento, enterro de emoção, cremação de lembrancinhas. As pessoas que participaram dessas mortes, normalmente, continuam vivas.

E como conviver no mesmo mundo com uma pessoa que, de um momento para outro, deixou de ser a fonte do seu maior prazer e alegria para tornar-se a sombra da sua felicidade, a fonte da sua dor e tormento?
Nem todo mundo manda pro inferno, e poucos magoados no amor conseguem fazer isso. Até porque no inferno fica quem foi chutado, abandonado, magoado. Resta, então, mandar o ex-amor para bem longe. E, pensando-se em lugar longe do inferno, resta mandar para o céu.

Pois é. Desejar que coisas boas aconteçam a quem mais lhe causou mágoa. Desejar que esse alguém vá para um bom lugar, com boa gente, fazer boas coisas vivendo boas experiências.
Muito mais fácil seria mandar pro raio que parta, mas é mais benéfico para a cura de um término de relação colocar-se, um pouco, no lugar de quem apunhalou seu coraçãozinho.

Em primeiro lugar, tende a não ser fácil para muitas pessoas terminar uma relação. Às vezes chega-se a um ponto onde um dos dois terá que tomar a iniciativa, virar o vilão e dizer que acabou.
É claro que reconhecer que terminar pode ter sido difícil para quem tomou a iniciativa, a dor em nada se compara a quem continua amando e não queria que acabasse. É por isso que é importante desejar a(o) ex coisas boas - porque você está tão mal que as coisas boas devem acontecer longe de você. E o que você mais precisa nessa hora é de distância da pessoa que mais lhe causou mágoa.
É preciso perdoar e se afastar. Tentar esquecer. A todo instante, porque a todo instante você pode lembrar ou ser fazer lembrar. Desejar que a pessoa esteja bem, inclusive bem longe de você, é um passo importante para se afastar da pessoa por uma necessidade sua, não porque você é um anjo querido que deseja bem até em quem lhe cravou o punhal nas costelas.

E, sobretudo, cara pessoa magoada, desejar o bem a quem não mais te quis bem é um passo fundamental para tentar viver o desapego. Desapegar-se é evitar sofrimento. Pode evitar a intensidade de uma gama de emoções em possíveis situações, bem específicas, mas em geral o apego, sobretudo entre pessoas, tende a causar grandes males se a pessoa não estiver pronta para um momento de separação.

Acontece - ó dó de novo - que mesmo quem está preparado para o momento de uma separação pode ser pego de surpresa por uma separação - por uma pequena morte - justamente em um momento em que não estava pronto para isso.

É preciso viver em paz porque é preciso ser feliz. A paz é uma conquista. Ironicamente, viver em paz requer lutas constantes. Vitórias pírricas. Saber ser estratégico e diplomata só tem a ajudar.

A pessoa que lhe causa dor pode, nem sempre, ser um inimigo merecedor de seu ódio e desdém. Talvez ela seja incapaz de amar você da maneira que você precisa. Se for, o problema está nela. E ela precisa de paz tanto quanto você;
Perdoe. Esqueça. Desfaça o vínculo. Bata em retirada. E faça as pazes com suas dores tão logo possível. Pode ser que você nunca leve uma bandeira branca ou um tratado de paz à pessoa, mas não se prepare para a guerra. Ao invés disso, edifique-se para viver a paz que você precisa.

Ter ódio, raiva, rancor, mágoa, sofrência... Tudo isso são maneiras de se manter apaixonado, de se manter ligado, mesmo que de maneira torturante, à pessoa desejada ou à relação falecida. Conseguir, aos poucos, perdoar e desapegar-se, é garantia de uma vida nova.

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