domingo, 23 de fevereiro de 2014

"Aula de Desenho", de Maria Esther Maciel

Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, meu papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retrato o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

::: A Dor possui um elemento de vazio

Pain has an element of blank;
It cannot recollect
When it began, or if there were
A day when it was not.

It has no future but itself,
Its infinite realms contain
Its past, enlightened to perceive
New periods of pain.
~ Emily Dickinson


A Dor possui algo de vazio;
Não consegue se lembrar
De quando começou, ou se houve
Um dia em que não foi Dor.

Ela não tem futuro senão ela mesma,
Seus reinos infinitos contendo
Seu passado, exposto para que se sinta
Novas épocas de dor.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Outro Erro Crônico

Hoje cometi outro erro velho novamente. Não me aproximei de uma pessoa conhecida achando que é ideal saber manter algumas distâncias. Mas não é esse o mundo que quero para as pessoas que virão, nem o mundo em que quero continuar a envelhecer. Eu devia ter agido diferente para ajudar a construir um mundo onde nunca ninguém tenha de pensar em se afastar de outra pessoa e onde a proximidade, o entrosamento e o contato sejam os alicerces e pilares de todas as relações. Não a hierarquia, nem os títulos, nem os históricos, nem as diferenças. Apenas a vontade humana de chegar junto de.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Outro relato escombroso

Conheci-a no teatro. Ela foi sozinha. Voltou de táxi. Isso que me encantou.

Entre aquele dia no teatro e meu estado atual lembro que houve um quarto pintado, muito frequentado, e uma sala cheia de móveis. Imóveis. Mas hoje minh
a vida é uma casa q
     uebrada, sem teto, em ruínas. Minha vida é uma casa arruinada. Cômodos cheios de lembrança, ch
            eios de quebras, cheios de memória qu
          ebrada. Aqui e ali, entre o rombo e recôndito ainda é possível reviver al
gum te
mpo bom. Ido. Qu
     ebr
      ad
o.


Sou meus escombros.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Dormais – A morte por um milhão de cortes com papel

   Dor seca é rio seco. É resina seca. Árvore ressequida. Lago seco. Lágrima seca. Garganta seca. Face ressecada. Canal seco. Veia seca.
   Dor é rio.
   Dor é ressequida.
   Dor é ressacada.
   Dor é lago.
   Dor é logo.
   Dor é veia.

   Dor velha é casa velha. Mansão desabitada. Solar velho. Choça velha. Prostíbulo fechado. Tumba esquecida. Cova velha esquecida aberta. Barraco velho. Mãe velha.
   Dor é morada.
   Dor é habitada.
   Dor fechada.
   Dor aberta.
   Dor fachada.
   Dor coberta.
   Dor velha.

   Dor encravada. Dor são cravos. Dor pregada, dói apregoada. Dor apegada. Dor que prega. Dor que pega e prega. Dor é praga e praga pega.

   Dor é isso. Dor é mais. Dor sempre é mais. Doer é mais. Se dói, precisamente – dói mais. Dói demais. Dor de mais. Normas das dores.
   Dores normais.