quinta-feira, 30 de maio de 2013

As Rosas e o Punhal

Segue-se agora o relato de acontecimentos de sonhos e terror, mistérios desvelados e maravilha, como contados por mim, Varyn, Cronista-Mor-e-Primeiro e Agente de Campo da Convocação dos Vários Caminhos, Arquimestre no Conselho e homem há muito vivendo.

Crônica Primeira – De como se deu o encontro com o bastardo proscrito e como ocorreu a travessia pelos campos pedregosos de Auglandoc.
Datação – Primeiros dias de Março, cercanias da província de Auglandoc em Corussa.
Arquivo – Pessoal

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O
 sol subia no horizonte. Havia pedra demais na paisagem para que eu pudesse chamar aquele lugar de belo, pois a pedra não sabe ser bela – deve ser esculpida pelo vento, pela chuva, pela mão. Ela, em excesso desconhecido da flor e da paragem, enfeava a passagem para o outro lado do vale de Auglandoc e tornava o terreno irregular e áspero como a pele desagradável de um velho inconveniente.

   Mas onde estão meus modos, que somem a cada mil crônicas escritas por mim? Quem não ler as etiquetas, as notas nas capas dos arquivos, não saberá quem escreve, quem narra, quem se mostra no desenrolar das estórias.

   Varyn, como me chamam, e como eu mesmo vim a me designar, é um nome conhecido do sul do sul ao norte do norte, e da parte do leste onde primeiro veem o sol subir até a região do oeste em que o sol escapa dos últimos olhares. Sou Primeiro-Cronista, ou Cronista-mor, da Convocação dos Vários Caminhos, e pela minha pena passam palavras de dor e de pesar, de tristeza e de contrição, de alegria e de festa, de regozijo e plenitude, mas desde sempre jamais têm elas sido de paz. Busco a maravilha e quero descrevê-la, busco o sonho e desejo acima de tudo escrevê-lo, dar-lhe o testemunho escrito. Mas o sonho e a maravilha fogem de mim com presteza maior, com celeridade maior do que eu os posso buscar, e esse pesar também é mais ligeiro que o correr da pena pela minha mão.

   Eu cruzava o vale de Auglandoc nas vésperas do solstício de inverno. Em Janeiro próximo tinha eu terminado uma missão a serviço da Convocação, e desde então estava disposto a encontrar um caminho bom para que as tropas do rei de Turníngia pudessem passar quase que despercebidas até a fronteira com Corussa. Deltim havia sido destruída, posta abaixo até a ultima casa, e eu mesmo vi os cidadãos todos pendendo enforcados e queimados do alto das muralhas. Os corvos testemunharam ali a plenitude da inumanidade da criatura humana, e o que me disseram ecoa até agora em minha mente, suas palavras crocitadas parecem tomar forma mais consistente em minha mente agora que escrevo à luz da vela.
   Assim sendo, eu esperava que passar por perto de tal jazigo fosse permitir passagem mais segura para os reforços que seguiriam para o norte vindos de Turníngia. Arrancar promessas de ajuda do rei de tal nação fora tão difícil quanto aterrar com sal um rio caudaloso. Não por ordem expressa, mas por motivação própria é que eu percorria tais terras desoladas em busca de uma boa passagem.

   Estava praticamente só naquela ocasião. Em nada me apetecia a ideia de ter comigo meus aprendizes: Azandre estava ainda perturbado pela morte de sua noiva, não seria bom para ninguém expô-lo ao rol de mortes em Deltim. Já Sarão estava demasiado instável devido à invasão e não queria que ele desatasse a buscar vingança pelos deltimanos mortos pondo em risco o segredo da minha tarefa. Podia ter trazido Eiton, sim, que era mais jovem e tinha de ver mais coisas do mundo, mas ele, julguei na época, era demasiado jovem para aguentar ver tanta maldade. E julguei certo.
   Também não trouxera comigo minha fiel guardiã, Craterla. Era claro que ela viria comigo seu eu assim pedisse, mas era o tipo de ocasião em que eu a preferia de olho em meus pupilos do que ao meu lado nas vastidões perigosas. Eu trazia apenas a caveira falante que me serve para variados propósitos de pesquisa, Zuralcadebekdlashalamsebezar, a quem todos que conhecem preferem chamar apenas de “Zur”. A caveira e eu – ou melhor dizendo, daqui em diante, apenas “eu”, já que uma caveira não é ser, apenas parte de ser – seguimos (segui) durante dias pelas ravinas pedregosas e o leito seco de um rio que fora há muitos anos desviado para um lago da defunta cidade de Deltim.
   Tal ravina era entrada para o vale de pedras que citei em primeiro lugar, e por lá eu já via passar uma vasta contagem de guerreiros vestindo armaduras e panos azuis, suas bandeiras pendendo ao vento indo para o norte. Mas eram apenas sonhos, não visões do futuro tomando-me a mente, eu o sabia. Parecia um terreno bom, mas eu precisava continuar pesquisando.
   A certa hora da manhã pareceu-me ouvir em uma floresta próxima o som da batalha e da morte. Com um mínimo de concentração e alguns passos precavidos já me ficara claro que era, de fato, uma batalha que ocorria dentro daquela mata. Adentrei o local, e não demorou até que, entre os pinheiros velhos, eu visse a neve branca salpicada aqui e ali de sangue.
   Tão intensa quanto parecia ser, a batalha destinava-se também a ser curta: Vi ali um homem lutando sozinho contra quase trinta outros bem armados com porretes e machados de toda sorte, vestindo peles de animais e usando os escalpes cabeludos dos inimigos sobre os ombros enormes – eram os bárbaros, selvagens das regiões agrestes perto de Deltim, no reino de Corussa. O que faziam ali, longe das montanhas, era claro para mim.

    O homem contra o qual lutavam vestia uma capa longa de viagem e lutava com capuz, de modo que não pude identificar-lhe origem e estirpe. Sua espada, contudo, era de fino fabrico e decepou as ideias de vários oponentes. A arma, vil como qualquer aço, indicava origens do norte distante, além da zona de guerra constante, mas eram poucos detalhes e aquela arma podia muito bem ter sido roubada de algum cadáver abandonado em campo de batalha. Os corvos, sábios, não carregam o aço dos mortos.
   Pensei, por um minuto, em socorrer aquele homem dos bárbaros que o atacavam não para matar, mas para aleijar e prender. Sabia eu que tipo de destino o esperava. Mas não, atacar os bárbaros certamente atrairia muitas atenções para aquela região apartada, e isso, dada a natureza de minha missão ali, era a última coisa que eu desejava.
   Foi quando percebi que o homem não se dava por vencido, tampouco se cansava, e decididamente não parecia acreditar que dali a pouco estaria rendido e sangrando. Vi ali, imediatamente, algo de inumano.

   Tomei de minha própria espada e pulei do alto em que eu estava para perto da luta. Os bárbaros, tão mais altos do que eu, distraíram-se comigo e decerto me tomaram por presa fácil. Mas a minha lâmina, amaldiçoada pelas mãos certas e pelo último fôlego daqueles tantos a quem eu trouxera a morte, deu-lhes trabalho: lembro de que desci meu gume terrível sobre treze inimigos, cada corte chamuscando-lhes a pele e fazendo sulcos em suas almas selvagens. As runas vermelhas no ferro preto brilharam naquele dia, e pela minha mão a morte reclamara uma dúzia de vidas mais uma única.
   Dos outros bárbaros deu cabo o homem de capuz, que nem sequer pareceu perceber minha ajuda. Ele terminara a batalha com poucos machucados e nenhum sinal de cansaço ou temor pela vida.
   Aproximei-me com cuidado, temendo que tipo de reação viria de um homem tão estranho, e tenho total certeza de que ele não pensava nada senão o mesmo ao se aproximar de mim. Entre os corpos de nossos inimigos começou nossa primeira conversa, a primeira de muitas por vir:
   – Eu vi homens lutarem como bestas e bestas lutarem como homens, mas jamais vi um homem lutar como você lutou agora – eu menti na língua dos homens do norte, mas o estranho respondeu-me na língua dos homens de Altir, um dos reinos da zona de guerra.

   – Eu não vim até aqui atrás de pescoços para cortar ou corações para furar. Vim atrás de boas novas, de esperança, se possível for. Quem são estes homens que me atacaram e você, por que me ajudou? – ele não parecia nada disposto a guardar a espada ensanguentada, talvez me imitasse.

   – Estes são bárbaros das tribos que tomaram as montanhas de Auglandoc. Eles são ancestrais estranhos dos homens que foram destruídos pelos fundadores de Corussa, gente alta e selvagem. Quanto ao motivo de eu querê-lo ajudar, foi interesse. Vejo que os bárbaros aos teus pés não caíram pelas mãos humanas, mas por mãos de um homem que é mudado.

   Eu tateava as palavras àquela altura. Eu sabia que eu falava com um homem sem alma e de compleição sombria. Mas ele respondeu-me de pronto:
   – Também eu sei que não estou diante de um homem qualquer, pois não são da laia do homem qualquer os que viajam sozinhos nestas terras. Ando há dias e mais dias, e embora diminua a morte que vejo em minha viagem, ela não parece acabar nunca.

   – Sou apenas um andante que está procurando passagem segura por estas terras desoladas, evitando as paragens encharcadas pelo sangue inocente. Quero refúgio da guerra como qualquer homem de bem.

   – Não posso dizer o mesmo de mim, que tenho ordens a cumprir. Talvez você, que mostra conhecimento sobre esta terra, possa me mostrar como chegar ao outro lado do vale, para que eu possa continuar minha jornada sem grandes esperanças.

   – Sei sim da passagem pelo vale, e sei que é fadada ao desalento a jornada que é feita sem esperança. Sem fé. Sem visão. Confie em meus pés ligeiros e em minha sabedoria, viajante, e vou mostrar o caminho até o outro lado de Auglandoc e, quem sabe, trazer-lhe a esperança para a jornada.

   – É possível que me mostre o caminho que devo percorrer, mas será impossível que sopre esperança e paz em um coração que só conhece agora a tristeza e a dor. Mas antes de tudo, se tiver a coragem necessária, quero ir até as montanhas e encontrar os bárbaros.

   Aquele pedido me surpreendeu, mas já me surpreendia a conversa que eu estava tendo com um homem marcado por maldições e tristezas que eu, naquele momento, só podia imaginar ao escutar-lhe a voz pesada e mirar nos olhos soturnos sob a sombra do capuz.
   – São bárbaros que veneram um deus solar, eles animam-se agora com o solstício de inverno, que para eles é um dia sagrado. Estão percorrendo as planícies de Corussa à cata de prisioneiros que serão todos sacrificados para seu deus antes do cair da noite longa.

   – Então estarão espalhados e com pressa, e estão mais preparados para aleijar do que para matar. Isso me dá sorte – E no que o homem olhou para as sombras das montanhas distantes, eu refletia a perícia de uma mente militar no que ele me dissera.

  – Sim, mas viu aqui que não são fáceis de derrubar. Com mãos nuas, dizem os locais, esses bárbaros podem desmembrar um homem.

   – Diz isso só para me animar! – e eu reparei que o homem sombrio estava realmente empolgado com a ideia da matança que se formava em sua mente.

   – Por que perseguir os bárbaros? – perguntei eu, já sabendo de sua resposta por vir.

   – Não lhes gosto em nada e por nada os quero vivos. Prefiro que vivam as pessoas que vêm refugiadas do norte em guerra, não as quero sendo mortas por esses selvagens. Se eles querem sacrifícios para seu deus, serão eles mesmos os sacrificados. Mostre-me, estranho, onde deve estar agora essa vara de bárbaros.

   Eu estava ali diante de uma encruzilhada. Era o momento do sim ou do não, do aceitar ou do negar, do aquiescer ou do opor-se. Como acontece muitas vezes ao longo da vida de muitos homens, era um momento de escolha. Um momento de tomar uma decisão que só o futuro e os profetas mais sábios poderiam dizer se traria danação e arrependimento ou boa-fortuna e contentamento.

   Mas aquele momento era só meu, era um momento de Varyn, agente do Conselho, tomar uma decisão, e há motivos que me levam a dizer que sou sábio o suficiente para saber que tomei a melhor decisão e disse o que havia de melhor para ser dito naquele dia.

   Eu abri minha mente para os cursos do futuro. Eu deixei que o destino se abrisse diante de mim como uma porta de uma sala suspeita corriqueiramente visitada. Eu deixei que o destino se abrisse diante de mim como a boca de um amigo melindroso que sempre nos fala. Eu deixei que o destino se abrisse diante de mim como os braços de uma mulher amada que sempre machuca com atos insensíveis. E nesse momento o futuro veio até mim, eu vi o que poderia acontecer, eu vi aquilo que meus olhos ainda estariam um dia por ver.
   Apertei o cabo da espada em minhas mãos cruzadas. As palavras giravam em minha mente e durante muito tempo eu pensei e cogitei, mas fora apenas um segundo sobre a neve ensanguentada.

   Aquele momento era só meu, era um momento de Varyn tomar uma decisão. Há vários motivos que me levam a dizer que sou um sábio, pelo menos o suficiente para saber que tomei a decisão mais cabida ao dizer o que melhor havia para se dizer naquele dia.

   – Venha comigo. Vamos correr até a foz do rio. Lá veremos os bárbaros saqueando uma vila e capturando seus habitantes.


   E logo eu entenderia que mazelas e crueldades fazem o homem e a mulher por amor.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

"Metade", de Oswaldo Montenegro


Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Humores Sextafeirais - reduzido

Manhã de sexta-feira e ela se foi,
levando a longa trança negra -
aquela forca longa de cor negra
que sexta de manhã sumiu, se foi.

Um fio da trança enroscou meu peito,
cerzindo assim o amor que já se foi -
quando o amor volta, quando se foi,
mais amor é necessário ao cerzir o peito.

A linha da mulher de trança negra,
que se foi, atou pedaços do meu peito -
Reatou o amor que me volta ao peito,
Títere - meu peito - nó na trança negra.

terça-feira, 14 de maio de 2013

"Dispersão", de Mário de Sá-Carneiro





Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto.
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que me abismaste nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que protejo:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que sonhei!... )

E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...




Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...



(Paris - maio de 1913.)





Mário de Sá-Carneiro
Poemas Completos
Edição Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim
2001


domingo, 12 de maio de 2013

You cannot make Remembrance grow
When it has lost its Root --
The tightening the Soil around
And setting it upright
Deceives perhaps the Universe
But not retrieves the Plant --
Real Memory, like Cedar Feet
Is shod with Adamant --
Nor can you cut Remembrance down
When it shall once have grown --
Its Iron Buds will sprout anew
However overthrown ---- Emily Dickinson


Tradução de Aíla de Oliveira:
A lembrança, ninguém a faz crescer
Quando perdeu a raiz.

Apertar-se em volta a terra
Mantê-la ereta, talvez
Possa enganar o universo
Mas não recupera a planta.

A memória verdadeira
É como o cedro – tem pés
Calçados em diamante.
Nem se pense que adiante
Cortá-la, se já arraigou:
Seus brotos de ferro irrompem
Novamente, se alguém a derrubou.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

"One need not be a chamber to be haunted", Emily Dickinson


One need not be a Chamber -- to be Haunted --
One need not be a House --
The Brain has Corridors -- surpassing
Material Place --

Far safer, of a Midnight Meeting
External Ghost
Than its interior Confronting --
That Cooler Host.

Far safer, through an Abbey gallop,
The Stones a'chase --
Than Unarmed, one's a'self encounter --
In lonesome Place --

Ourself behind ourself, concealed --
Should startle most --
Assassin hid in our Apartment
Be Horror's least.

The Body -- borrows a Revolver --
He bolts the Door --
O'erlooking a superior spectre --
Or More --



Não é preciso ser quarto para ser assombrado.
Não é preciso ser uma casa;
O cérebro tem corredores, mais do que
Qualquer lugar físico.

Mais seguro, quando é meia-noite,
Um fantasma encarar
Do que consigo mesmo
Vir a se encontrar.

Mais seguro, se nas ruas vazias,
Ser perseguido
Do que, vulnerável,
Consigo mesmo confrontar-se,

Aquele eu além do eu - oculto -
seja o maior espanto:
Assassino escondido em nosso quarto
Seja dos horrores o menor.

O corpo está armado,
As trancas postas à porta.
Teme aquele espectro inescapável -
Mais, e perto.




  "Invocation". Créditos da imagem em http://ochrejelly.deviantart.com/ (perfil do artista)
http://www.elderberry-transmission.net/ (Página do artista)
Galeria do artista em: http://ochrejelly.deviantart.com/gallery/
e http://www.elderberry-transmission.net/gallery/

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O Relato Escombroso

Estou me tornando um com o mundo, que desaba.

O mundo está se esfarelando e eu, ao me esfarelar também, fico mais perto de tornar-me um com ele. Aquela casa, sempre tão agitada e festeira, está silenciosa, fechada, sem som que expresse harmonia ou desregra.

O mundo está em farrapos e eu, em farrapos, fico mais perto do mundo. Aquela gente de longe está tão perto causando tanto, mas tanto alvoroço nos farrapos.

O mundo está quebrando em pedaços e eu, desmoronado em pedaços, identifico-me com o mundo desabado. Aquele riso tão forçado está tão sem cor, tão sem dentes. Menos lata nele e menos verdade ainda.

O mundo está se desfazendo aos cacos e eu, quebrado, vejo meu reflexo - partido - nesse mundo que se parte. Aquele trabalho tão trabalhoso dá trabalho para se trabalhar, e fico atrabalhado como nunca estive antes.

O undo est        ped ços    e   , ad     ém   des    ído    ais do m   do
        m               á m          ta      tr        u     ce
     

                                                                         u

                                        eu

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Of Ebb and Flow

Now, how do I know it wasn't love what I felt?
I loved her smile. And her beautiful eyes. The softness of her skins, the blond of her hair.
I loved her company, her body, her smile. The kindness of her spirit, her poetic demeanor. Her frail frame of bold thinking. Her obstinate bites and her healing lips.
But I didn't love her.
I didn't love her for her, for what she is and what she does.
Now I understand why it ended this cold, starless, meaningless and foolish way.
It wasn't love, for love is meant to last. To endure. Ebb and flow. The answer, I found out, was brimming in my own mouth.
Half a cheer for that kind but faint feeling that did not last.


If thou must love me, let it be for nought

by Elizabeth Barrett Browning
If thou must love me, let it be for nought
Except for love's sake only.  Do not say
"I love her for her smile—her look—her way
Of speaking gently,—for a trick of thought
That falls in well with mine, and certes brought
A sense of pleasant ease on such a day"—
For these things in themselves, Beloved, may
Be changed, or change for thee,—and love, so wrought,
May be unwrought so.  Neither love me for
Thine own dear pity's wiping my cheeks dry,—
A creature might forget to weep, who bore
Thy comfort long, and lose thy love thereby!
But love me for love's sake, that evermore
Thou may'st love on, through love's eternity