domingo, 19 de fevereiro de 2012

Da Pedra Platônica

Ficas ali, tal como quem não quer nada,
Mas de longe já sinto tu'alma empedrada:
Minh'alva fronte de pedra engastada
Já te sente andante em nova jornada.

Eu aqui, no meu canto, ensimesmado,
Penso com minha pedra - estou errado?
Mais um passo ou dois: tu do meu lado;
Meu velho medo de, mudo, ser ignorado.

Olho-te, olhas-me, a admiração é de dois,
é mútua, e o desejo que está antes e depois
leva-te ao devaneio, ao "tu és" e o "vós sois".

Mas sabes que alguém, parado, por ti chama?
Talvez sonhes, um dia, da dor, alegria, fama,
dos vários anseios de uma estátua que ama.



E a estátua se apaixonou pelos olhos que a admiravam, sonhando que os olhos, em silêncio confesso, a amavam também. E, em segredo, os olhos de pedra e os olhos de carne fecharam-se em adoração.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Blackheart

Behold! There lies that faint outline,
One worn - not by age nor weariness;
One cast down with a broken spine,
One heavy by burden and loneliness.

Some call it heart, some fancy it soul,
Anima some deem it to be; all I scorn:
For wherever the human being can go,
it is resumed only in wilt, rot or thorn.

Hearts rot, souls wilt and things more,
Yet this burden of the being persists -
The doom of flesh, of bone and gore,
This trials of tears, waists and fists!

The outline, faint, grows and darken,
and the being - uprooted, made public again;
And by air a command goes: "Hearken!"
And senses of spirit and sinew restrain...

Yet this heavy, unlifting refrain undies,
And echoes so gloomy and eerie all around,
That whatever false reason dead lies
When the motifs of reality abound.

O heart, o blackheart, we must be bad...
For what other justice holds this cell?
O heart, o ravenheart, we are now sad...
Undone only at the last toll of the bell.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Caravelando

Quando não digo mais que me sinto sozinho, ou que sempre estou sozinho, as pessoas riem de contentamento e pensam "Ele finalmente aceita que Deus está sempre com ele!" - quem sou eu para causar-lhes espanto?
O fato é que não estou sozinho mesmo, e com essas coisas de Deus eu acho que nem Deus se importa muito. Se não me sinto sozinho é porque, confirmando toda a impressão camoniana de viver-em-verso, minha alma já repousa aquém do lugar que ocupo no espaço. Estou ancorado, um navio contra as ondas, mas a tripulação que me dá vida desembarcou e foi ter em terra com outrem. Uma concha vazia, a pérola adorna o seio de uma dama formosa.

Se não estou sozinho, em parte é porque vivo já em outra pessoa, atado a ela de tal modo que já não importa em qual lugar do espaço encontra-se meu corpo, do qual longe encontro-me liado a almas outras... E se o vento aviva meus panos, é a vontade de buscar meu porto que me o compele a ajudar. E se a água agita os remos, ou se as rêmoras parecem me puxar a quilha, é meu pesar marulhoso e estaleiro que os convence a auxiliar.
O fato é que não estou sozinho. Não o sentiria nem mesmo se o quisesse. A nave, vazia, está ancorada para se ter um lugar que torne o regresso (ou a fuga) possível...
Mas eis que quem desce à terra por lá fica, e o barco, esquecido, consome-se com o tempo...

E as almas, liadas, fazem-se companhia.
A despeito de madeira que enegrece, de mastro que se parte, de velas que se rasgam,
Ou do calhau -
- que se quebra.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Será o coração o verdadeiro amante? O último dos romanticos, aquele que no abraço está na verdade dando um beijo em outro coração?
E estará o coração abraçando aquele coração que ama quando o sentimos apertado?

E será que finalmente desfalece, descompassado, quando o resto do corpo insensível não mais ignora suas saudades cardíacas? E será que finalmente morre, parando de bater, tentando a morte por causa de seu cardioamor?

Será que compõe, que rima, que fantasia átrios e coronárias? Ou será que sonha com veias cavas e delira com hemoglobina?
E quando está acelerado, será a inquietação, sua libido muscular? Ou será que, sendo na verdade tímido, está descomposto e tenta em vão se esconder na sala grande que é o mediastino?

Bem, mas é um bom amante, um bom romântico. Já nas graças do povo falador, ignorante de sua metafísica de s2, recebeu um pouco de justiça:
Coração que é coração não bate, apenas - apanha.
Tal como homem que é homem e não respira, apenas - ama.